Invasores, como as ostras do Pacífico, têm determinado o fim de espécies em algumas regiões
Em 1980, depois de me formar na faculdade, me tornei parte da tripulação de um veleiro que estava na metade de uma viagem de circunavegação do planeta. Em meio a uma calmaria e ao forte calor de uma travessia do Oceano Índico que levou 21 dias, certa tarde diversos de nós mergulharam.
Algumas braçadas me levaram a ver o casco do barco que ficava para trás como uma espécie de brinquedo. Por sob meu corpo, minha sombra e a do barco desapareciam nas profundezas de um mar que naquele ponto tem profundidade superior a três quilômetros. A atividade humana me parecia insignificante, diante da grandeza do mar.
Algumas semanas mais tarde, em uma ilha desabitada nos confins do Mar Vermelho, obtive uma prova de que estava errado. A costa da ilha, acima da ilha da maré, estava recoberta de velhas lâmpadas, aparentemente lançadas de uma procissão interminável de navios ao longo dos anos.
Agora os cientistas estão montando o primeiro retrato mundial do impacto humano disperso sobre os oceanos, revelando uma mistura planetária de recursos desgastados, ecossistemas degradados e combinações biológicas destrutivas causadas pelo movimento - acidental ou intencional - de espécies ao redor do mundo.
Um estudo publicado em 15 de fevereiro pela revista Science é o primeiro esforço para mapear 17 tipos diferentes de impacto humano sobre o oceano, como poluição orgânica - incluindo resíduos agrícolas e esgotos; danos causados por colisões de barcos pesqueiros contra o fundo do mar e recifes; e pesca convencional intensiva nas regiões de recifes de coral.
Cerca de 40% das áreas oceânicas vêm sofrendo efeitos intensos, e apenas 4% dela parecem intocadas, de acordo com o estudo. Os mares polares estão na categoria intocada, mas isso deve mudar. Alguns dos impactos da atividade humana são conhecidos, como os danos a recifes de coral e mangues causados por construção, mas há também tendências mais sutis, como a perda de certos peixes que determinam a forma de ecossistemas.
Outros efeitos causaram surpresa, disse Benjamin Halpern, o diretor do estudo, cientista no Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica, em Santa Barbara, Califórnia. Ele disse que as plataformas continentais e as encostas subaquáticas provaram ser as áreas mais afetadas, especialmente em regiões costeiras densamente povoadas.
A marca mais presente da atividade humana é a lenta queda no pH das águas de superfície em todo o mundo, já que uma parcela dos bilhões de toneladas de dióxido de carbono que a queima de combustível e de florestas leva à atmosfera a cada ano termina absorvida pela água, na qual forma ácido carbônico.
A mudança progressiva na composição química do oceano poderia levar a perturbações no ciclo de vida dos plânctons, que formam conchas, e das espécies que criam recifes de coral, especialmente em áreas nas quais existam outros impactos, como o aumento das temperaturas causado pelo aquecimento global gerado pela atividade humana, dizem muitos biólogos marinhos.
"Estudo essas coisas o tempo todo e não esperava que o impacto fosse tão presente", disse Halpern. A revisão oferece uma referência necessária ao rastreamento de mudanças posteriores, ele afirma. Também identifica algumas áreas problemáticas despercebidas, semelhantes aos "pontos de crise" de biodiversidade terrestre identificados por grupos ecológicos ao longo dos anos.
Uma análise como essa era necessária há muito tempo, disseram muitos biólogos marinhos em entrevistas. As preocupações das pessoas com a conservação se concentraram fortemente na ecologia terrestre, ainda que os mares cubram dois terços do planeta e sejam fonte vital de comida e prazer.
Sylvia Earle, oceanógrafa e "exploradora residente" da National Geographic Society, diz que as pessoas costumam se preocupar apenas com o que conhecem. A questão agora é determinar se as pesquisas conduzidas estão produzindo conhecimento suficiente, e se ainda é tempo de mudar alguma coisa.
"Aprendemos mais sobre a natureza dos oceanos na segunda metade do século 20 do que em toda a História humana precedente", disse Earle. "Mas ao mesmo tempo perdemos muito mais". Um esforço separado de mapeamento publicado este mês se concentrava em espécies invasivas introduzidas, e constatou que 84% das águas costeiras do mundo sofrem com esse problema, e que as águas do Oceano Ártico são o próximo alvo, à medida que a navegação na área crescer em função do aquecimento global.
Mais de metade das espécies introduzidas que se fixam em novas áreas estão exercendo efeitos adversos, disse Jennifer Molnar, especialista em conservação da Nature Conservancy, organização que comandou o estudo publicado pela Frontiers in Ecology and the Environment.
Enquanto os esforços de avaliação dos efeitos da atividade humana se intensificam, outros cientistas tentam simplesmente identificar espécies marinhas de todos os portes, uma tarefa enorme dado o conhecimento relativamente escasso sobre os oceanos.
O cerne do trabalho de identificação está no projeto Recenseamento da Vida Marinha, um trabalho de 10 anos de duração iniciado sob os auspícios da Alfred P. Sloan Foundation e que deve produzir seu primeiro relatório sintético sobre espécies marinhas em 2010.
Mais de dois mil cientistas em 81 países contribuíram, disse Michael Feldman, do Consórcio de Liderança Oceânica, o grupo que coordena o projeto, em Washington. Desde 2003, os cientistas envolvidos nesse trabalho descobriram mais de 5,3 mil espécies, afirmou Feldman, acrescentando que "só conseguimos identificar formalmente algumas centenas delas, até agora. Mas os pesquisadores continuam a descobrir coisas em um ritmo que não nos permite nem mesmo definir o que fazer a respeito".
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times
Andrew C. Revkin
Em 1980, depois de me formar na faculdade, me tornei parte da tripulação de um veleiro que estava na metade de uma viagem de circunavegação do planeta. Em meio a uma calmaria e ao forte calor de uma travessia do Oceano Índico que levou 21 dias, certa tarde diversos de nós mergulharam.
Algumas braçadas me levaram a ver o casco do barco que ficava para trás como uma espécie de brinquedo. Por sob meu corpo, minha sombra e a do barco desapareciam nas profundezas de um mar que naquele ponto tem profundidade superior a três quilômetros. A atividade humana me parecia insignificante, diante da grandeza do mar.
Algumas semanas mais tarde, em uma ilha desabitada nos confins do Mar Vermelho, obtive uma prova de que estava errado. A costa da ilha, acima da ilha da maré, estava recoberta de velhas lâmpadas, aparentemente lançadas de uma procissão interminável de navios ao longo dos anos.
Agora os cientistas estão montando o primeiro retrato mundial do impacto humano disperso sobre os oceanos, revelando uma mistura planetária de recursos desgastados, ecossistemas degradados e combinações biológicas destrutivas causadas pelo movimento - acidental ou intencional - de espécies ao redor do mundo.
Um estudo publicado em 15 de fevereiro pela revista Science é o primeiro esforço para mapear 17 tipos diferentes de impacto humano sobre o oceano, como poluição orgânica - incluindo resíduos agrícolas e esgotos; danos causados por colisões de barcos pesqueiros contra o fundo do mar e recifes; e pesca convencional intensiva nas regiões de recifes de coral.
Cerca de 40% das áreas oceânicas vêm sofrendo efeitos intensos, e apenas 4% dela parecem intocadas, de acordo com o estudo. Os mares polares estão na categoria intocada, mas isso deve mudar. Alguns dos impactos da atividade humana são conhecidos, como os danos a recifes de coral e mangues causados por construção, mas há também tendências mais sutis, como a perda de certos peixes que determinam a forma de ecossistemas.
Outros efeitos causaram surpresa, disse Benjamin Halpern, o diretor do estudo, cientista no Centro Nacional de Análise e Síntese Ecológica, em Santa Barbara, Califórnia. Ele disse que as plataformas continentais e as encostas subaquáticas provaram ser as áreas mais afetadas, especialmente em regiões costeiras densamente povoadas.
A marca mais presente da atividade humana é a lenta queda no pH das águas de superfície em todo o mundo, já que uma parcela dos bilhões de toneladas de dióxido de carbono que a queima de combustível e de florestas leva à atmosfera a cada ano termina absorvida pela água, na qual forma ácido carbônico.
A mudança progressiva na composição química do oceano poderia levar a perturbações no ciclo de vida dos plânctons, que formam conchas, e das espécies que criam recifes de coral, especialmente em áreas nas quais existam outros impactos, como o aumento das temperaturas causado pelo aquecimento global gerado pela atividade humana, dizem muitos biólogos marinhos.
"Estudo essas coisas o tempo todo e não esperava que o impacto fosse tão presente", disse Halpern. A revisão oferece uma referência necessária ao rastreamento de mudanças posteriores, ele afirma. Também identifica algumas áreas problemáticas despercebidas, semelhantes aos "pontos de crise" de biodiversidade terrestre identificados por grupos ecológicos ao longo dos anos.
Uma análise como essa era necessária há muito tempo, disseram muitos biólogos marinhos em entrevistas. As preocupações das pessoas com a conservação se concentraram fortemente na ecologia terrestre, ainda que os mares cubram dois terços do planeta e sejam fonte vital de comida e prazer.
Sylvia Earle, oceanógrafa e "exploradora residente" da National Geographic Society, diz que as pessoas costumam se preocupar apenas com o que conhecem. A questão agora é determinar se as pesquisas conduzidas estão produzindo conhecimento suficiente, e se ainda é tempo de mudar alguma coisa.
"Aprendemos mais sobre a natureza dos oceanos na segunda metade do século 20 do que em toda a História humana precedente", disse Earle. "Mas ao mesmo tempo perdemos muito mais". Um esforço separado de mapeamento publicado este mês se concentrava em espécies invasivas introduzidas, e constatou que 84% das águas costeiras do mundo sofrem com esse problema, e que as águas do Oceano Ártico são o próximo alvo, à medida que a navegação na área crescer em função do aquecimento global.
Mais de metade das espécies introduzidas que se fixam em novas áreas estão exercendo efeitos adversos, disse Jennifer Molnar, especialista em conservação da Nature Conservancy, organização que comandou o estudo publicado pela Frontiers in Ecology and the Environment.
Enquanto os esforços de avaliação dos efeitos da atividade humana se intensificam, outros cientistas tentam simplesmente identificar espécies marinhas de todos os portes, uma tarefa enorme dado o conhecimento relativamente escasso sobre os oceanos.
O cerne do trabalho de identificação está no projeto Recenseamento da Vida Marinha, um trabalho de 10 anos de duração iniciado sob os auspícios da Alfred P. Sloan Foundation e que deve produzir seu primeiro relatório sintético sobre espécies marinhas em 2010.
Mais de dois mil cientistas em 81 países contribuíram, disse Michael Feldman, do Consórcio de Liderança Oceânica, o grupo que coordena o projeto, em Washington. Desde 2003, os cientistas envolvidos nesse trabalho descobriram mais de 5,3 mil espécies, afirmou Feldman, acrescentando que "só conseguimos identificar formalmente algumas centenas delas, até agora. Mas os pesquisadores continuam a descobrir coisas em um ritmo que não nos permite nem mesmo definir o que fazer a respeito".
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times
Nenhum comentário:
Postar um comentário