Alex sabia contar, identificar cores e até expressava frustração.
Ele participou de diversas pesquisas científicas na Universidade Brandeis.
Após 30 anos de diligentes serviços prestados à ciência, o papagaio Alex, da Universidade Brandeis, nos Estados Unidos, morreu nesta terça-feira (11). Alex, da espécie papagaio-cinza-africano (ou papagaio-cinza-do-Congo, Psittacus erithacus) passou a vida ajudando os cientistas a entender o cérebro das aves. Ele sabia contar até seis, identificava cores e até se mostrava frustrado com experiências científicas que eram repetitivas demais
Ele participou de diversas pesquisas científicas na Universidade Brandeis.
Após 30 anos de diligentes serviços prestados à ciência, o papagaio Alex, da Universidade Brandeis, nos Estados Unidos, morreu nesta terça-feira (11). Alex, da espécie papagaio-cinza-africano (ou papagaio-cinza-do-Congo, Psittacus erithacus) passou a vida ajudando os cientistas a entender o cérebro das aves. Ele sabia contar até seis, identificava cores e até se mostrava frustrado com experiências científicas que eram repetitivas demais
Para você relembrar a história de Alex:
imagem:© WONG HOCK WENG/123RF
O Louro sabe das coisas |
Os papagaios estão se livrando do estigma de imitadores. Cientistas já reconhecem que a inteligência dessas aves é comparável à dos golfinhos e chimpanzés |
por Christine Scholtyssex |
A campainha toca e Fernanda se apressa em atender, pensando que é o entregador de pizza. Mas ao abrir a porta e ver que não há ninguém do outro lado, o som continua – trata-se de mais uma das “brincadeiras” de Bóris, seu papagaio de estimação. Cenas como essa mostram a fascinante capacidade dessas aves de imitar sons comuns e vozes humanas. Para muitos cientistas, porém, os papagaios são capazes de bem mais que isso. Segundo eles, esses animais conseguem não apenas entender e responder ao que dizemos, mas também compreender conceitos abstratos simples. Há quem diga que papagaios e algumas outras espécies de aves são tão inteligentes quanto golfinhos e primatas.
Durante décadas, os biólogos pensaram que apenas o instinto controlava o comportamento dos papagaios. Essa visão se baseava nas características do cérebro das aves, que é bem menor e aparentemente mais simples que o dos mamíferos. A fala desses animais era considerada pura imitação, desprovida de qualquer significado. No final dos anos 70, a psicóloga Irene Pepperberg, então da Universidade Purdue, em West Lafayette, Indiana, deu início a uma longa série de experimentos que prosseguem até hoje na Universidade Brandeis, em Waltham, Massachusetts. O objetivo da psicóloga, que é professora também do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, é definir até que ponto vai a inteligência dos papagaios.
Antes de mais nada, Pepperberg precisou resolver um problema fundamental: de que forma poderia avaliar as capacidades cognitivas desses pássaros? A solução foi usar justamente a habilidade deles de falar, algo totalmente estranho ao repertório de comportamentos usados na comunicação entre os papagaios, o que significa que talvez eles “falem” justamente para se comunicar conosco.
Durante décadas, os biólogos pensaram que apenas o instinto controlava o comportamento dos papagaios. Essa visão se baseava nas características do cérebro das aves, que é bem menor e aparentemente mais simples que o dos mamíferos. A fala desses animais era considerada pura imitação, desprovida de qualquer significado. No final dos anos 70, a psicóloga Irene Pepperberg, então da Universidade Purdue, em West Lafayette, Indiana, deu início a uma longa série de experimentos que prosseguem até hoje na Universidade Brandeis, em Waltham, Massachusetts. O objetivo da psicóloga, que é professora também do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, é definir até que ponto vai a inteligência dos papagaios.
Antes de mais nada, Pepperberg precisou resolver um problema fundamental: de que forma poderia avaliar as capacidades cognitivas desses pássaros? A solução foi usar justamente a habilidade deles de falar, algo totalmente estranho ao repertório de comportamentos usados na comunicação entre os papagaios, o que significa que talvez eles “falem” justamente para se comunicar conosco.
imagem:© WILLIAM MUÑOZ
PAPAGAIO ALEX, com psicóloga Irene Pepperberg: animal interpreta questão e identifica categorias antes de responder à pesquisadora
ALÉM DA IMITAÇÃO
Há muito em comum entre a aquisição da linguagem pelos seres humanos e o aprendizado musical dos pássaros. Ambos se baseiam na imitação do comportamento dos indivíduos mais velhos e exigem muito treino e repetição. Pepperberg adaptou um método de treinamento desenvolvido pelo etologista alemão Dietmar Todt, conhecido como técnica modelo-rival.
A sessão funciona da seguinte forma: numa pequena mesa com vários objetos, há dois treinadores sentados em lados opostos e no meio deles, um papagaio. O treinador pega um objeto, mostra-o ao outro e pergunta: “O que é isto?”. O parceiro responde: “Bola. É uma bola”. Então o treinador no 1 elogia o segundo e, como recompensa, lhe dá a bola. Algumas vezes, porém, o treinador no 2 responde deliberadamente de forma incorreta, dizendo, por exemplo, “é um prendedor de roupa”. O primeiro o reprova e retira o objeto de seu campo de visão por alguns minutos.
Em pouco tempo o papagaio está apto a participar do jogo. É recompensado ou repreendido pelos treinadores conforme as respostas que dá. Quando acerta, pode brincar com o objeto por um tempo. Nesse método, o segundo treinador é, para o papagaio, tanto modelo como rival na disputa pela atenção do treinador no 1. Depois de aprender algumas palavras, o pássaro já pode assumir o papel do treinador no 2 e ensinar outros papagaios.
Depois de 30 anos de treinamento, um papagaio cinza chamado Alex, o primeiro estudado por Pepperberg, adquiriu um respeitável vocabulário, que ainda pode ser ampliado, já que alguns espécimes vivem mais de 60 anos. Alex conhece o nome de 50 objetos, sete cores, cinco formas geométricas, sete materiais, seis números e até alguns verbos.
Vocabulário amplo, porém, não é evidência de funções cognitivas superiores, apenas de boa memória. O que importa saber é se o bicho consegue entender o que está dizendo. Para isso Pepperberg submeteu Alex e três outros papagaios treinados em laboratório a vários experimentos. Os resultados obtidos até agora não deixam dúvida de que as aves compreendem o significado isolado de palavras individuais e são dotadas de algumas capacidades cognitivas superiores.
ALÉM DA IMITAÇÃO
Há muito em comum entre a aquisição da linguagem pelos seres humanos e o aprendizado musical dos pássaros. Ambos se baseiam na imitação do comportamento dos indivíduos mais velhos e exigem muito treino e repetição. Pepperberg adaptou um método de treinamento desenvolvido pelo etologista alemão Dietmar Todt, conhecido como técnica modelo-rival.
A sessão funciona da seguinte forma: numa pequena mesa com vários objetos, há dois treinadores sentados em lados opostos e no meio deles, um papagaio. O treinador pega um objeto, mostra-o ao outro e pergunta: “O que é isto?”. O parceiro responde: “Bola. É uma bola”. Então o treinador no 1 elogia o segundo e, como recompensa, lhe dá a bola. Algumas vezes, porém, o treinador no 2 responde deliberadamente de forma incorreta, dizendo, por exemplo, “é um prendedor de roupa”. O primeiro o reprova e retira o objeto de seu campo de visão por alguns minutos.
Em pouco tempo o papagaio está apto a participar do jogo. É recompensado ou repreendido pelos treinadores conforme as respostas que dá. Quando acerta, pode brincar com o objeto por um tempo. Nesse método, o segundo treinador é, para o papagaio, tanto modelo como rival na disputa pela atenção do treinador no 1. Depois de aprender algumas palavras, o pássaro já pode assumir o papel do treinador no 2 e ensinar outros papagaios.
Depois de 30 anos de treinamento, um papagaio cinza chamado Alex, o primeiro estudado por Pepperberg, adquiriu um respeitável vocabulário, que ainda pode ser ampliado, já que alguns espécimes vivem mais de 60 anos. Alex conhece o nome de 50 objetos, sete cores, cinco formas geométricas, sete materiais, seis números e até alguns verbos.
Vocabulário amplo, porém, não é evidência de funções cognitivas superiores, apenas de boa memória. O que importa saber é se o bicho consegue entender o que está dizendo. Para isso Pepperberg submeteu Alex e três outros papagaios treinados em laboratório a vários experimentos. Os resultados obtidos até agora não deixam dúvida de que as aves compreendem o significado isolado de palavras individuais e são dotadas de algumas capacidades cognitivas superiores.
Os papagaios de Pepperberg responderam de forma precisa a questões como “o que é isto?”. Também compreenderam categorias conceituais como cor, forma e material. Ora, isso envolve o entendimento de que vermelho, verde e azul, por exemplo, são possíveis variantes do mesmo objeto. Alex e seus amigos mostraram que isso é possível. Além disso, aprenderam o significado de “igual” e “diferente”. Quando se colocavam diante deles um círculo e um triângulo, ambos vermelhos, e se perguntava “o que é igual?”, eles respondiam “cor”. Se a pergunta fosse “o que quando não há característica alguma comum ou diferente, demonstrando que conhece o conceito de ausência. Alex também sabe o que significa a partícula “e”. Quando perguntado sobre “o que é triangular e vermelho?”, selecionou, em meio a outros itens, o objeto com as duas características. Seu desempenho ao comparar coisas é impressionante. Ele conseguiu resolver questões como “qual cor maior?” (que significa “qual a cor do objeto maior?”). Isso mostra que o papagaio tem noção de relatividade, isto é, ele identifica qual o item maior ou menor dentro de um conjunto. A idéia de quantidade também foi assimilada. Se mostrarmos a Alex quatro bolas vermelhas, três verdes e mais cinco blocos vermelhos e seis verdes, todos dispostos aleatoriamente, ele responderá corretamente à pergunta “quantos blocos vermelhos?”. Dados recentes sugerem que Alex conta um a um os conjuntos maiores de objetos e reconhece os números menores intuitivamente, de uma tacada só, assim como nós fazemos.
ESPERTO E TEIMOSO
Os papagaios cinza conseguem até mesmo usar verbos e combiná-los com diferentes objetos. Podem dizer, por exemplo, “quero maçã” ou “quero ir cadeira”. Se Pepperberg entrega outro objeto, a ave o rejeita dizendo “não”, repetindo o pedido original. Se levado ao lugar errado, recusa-se a pular no braço do treinador e reitera seu desejo.
Outro exemplo de pensamento abstrato é o chamado problema da permanência do objeto, isto é, a compreensão de que o objeto continua a existir mesmo quando muda de posição ou não pode mais ser visto. Esse conceito básico para o entendimento do meio não é tão óbvio quanto parece. Nos seres humanos essa capacidade se desenvolve gradualmente ao longo do primeiro ano de vida. Cães, gatos e pombos possuem uma idéia rudimentar da permanência dos objetos, mas muito mais fraca do que a observada em papagaios, macacos ou humanos. Eles fracassam, por exemplo, no jogo do copo. Após ver o treinador esconder a bola em um dos três copos e movê-los, um cachorro só acerta o local do objeto por acaso. Alguns primatas e papagaios adultos, porém, têm desempenho tão bom quanto o dos humanos. Estudos com papagaios mais jovens revelaram que a noção da permanência do objeto evolui de acordo com o desenvolvimento de regiões específicas de seu cérebro.
Os papagaios de Pepperberg não se cansam de surpreender a comunidade científica com suas habilidades. E Alex, que é o mais velho, é também o mais inteligente. Já inventou vários termos novos para descrever objetos, como quando devia aprender o termo “maçã”. Nessa época, Alex já havia aprendido os nomes de várias frutas, como banana, cereja e uva. Já havia experimentado maçãs, mas nada lhe fora ensinado sobre elas. Certo dia o treinador pegou uma maçã e perguntou “o que é isto?”. Ele respondeu: “baneja” e deu uma bicada na fruta. Foi corrigido e ouviu “maçã” várias vezes, mas insistia em “baneja”, usando a mesma entonação cuidadosa que o treinador costumava empregar sempre que apresentava um termo novo. Para Alex, as maçãs sempre serão banejas e ninguém jamais saberá ao certo o que ocorreu em seu cérebro quando ele cunhou o termo. Papperberg acha que ele combinou duas palavras conhecidas, “banana” e “cereja”. Talvez as maçãs tenham, para ele, sabor semelhante ao da banana e qualquer fruta com a casca vermelha se pareça com uma grande cereja. “Que cor?” foi a primeira coisa dita por Alex quando ele se viu no espelho pela primeira vez. Estava cansado de ouvir a mesma pergunta, sempre relacionada a objetos coloridos. Isso deixa claro que ele não só compreendeu o conceito de cor, mas que é capaz de usá-lo em situações novas. Surpresa, a psicóloga respondeu: “Cinza, você é um papagaio cinza”. Alex repetiu a mesma pergunta mais cinco vezes e recebeu a mesma resposta. Desde então, “cinza” passou a fazer parte de seu vocabulário.
Os exemplos mencionados são evidências incontestáveis de que os papagaios – e provavelmente várias outras aves – não agem apenas por instinto. Eles são dotados de extraordinária memória e entendem relações complexas. Além de aprender um complicado sistema de comunicação, têm vida social intensa e são muito curiosos. A inteligência que demonstram é comparável à dos primatas e golfinhos e, em algumas situações, até superior. Eles se saíram bem em testes mais exigentes que os aplicados aos mamíferos.
A vida longa dos papagaios permite que estudos de longo prazo sejam feitos. Atualmente os papagaios de Pepperberg estão aprendendo a pronunciar o som das letras e a usar um computador desenvolvido especialmente para eles. Talvez um dia tenham seu próprio site na internet e conversem conosco por e-mail.
Os papagaios cinza conseguem até mesmo usar verbos e combiná-los com diferentes objetos. Podem dizer, por exemplo, “quero maçã” ou “quero ir cadeira”. Se Pepperberg entrega outro objeto, a ave o rejeita dizendo “não”, repetindo o pedido original. Se levado ao lugar errado, recusa-se a pular no braço do treinador e reitera seu desejo.
Outro exemplo de pensamento abstrato é o chamado problema da permanência do objeto, isto é, a compreensão de que o objeto continua a existir mesmo quando muda de posição ou não pode mais ser visto. Esse conceito básico para o entendimento do meio não é tão óbvio quanto parece. Nos seres humanos essa capacidade se desenvolve gradualmente ao longo do primeiro ano de vida. Cães, gatos e pombos possuem uma idéia rudimentar da permanência dos objetos, mas muito mais fraca do que a observada em papagaios, macacos ou humanos. Eles fracassam, por exemplo, no jogo do copo. Após ver o treinador esconder a bola em um dos três copos e movê-los, um cachorro só acerta o local do objeto por acaso. Alguns primatas e papagaios adultos, porém, têm desempenho tão bom quanto o dos humanos. Estudos com papagaios mais jovens revelaram que a noção da permanência do objeto evolui de acordo com o desenvolvimento de regiões específicas de seu cérebro.
Os papagaios de Pepperberg não se cansam de surpreender a comunidade científica com suas habilidades. E Alex, que é o mais velho, é também o mais inteligente. Já inventou vários termos novos para descrever objetos, como quando devia aprender o termo “maçã”. Nessa época, Alex já havia aprendido os nomes de várias frutas, como banana, cereja e uva. Já havia experimentado maçãs, mas nada lhe fora ensinado sobre elas. Certo dia o treinador pegou uma maçã e perguntou “o que é isto?”. Ele respondeu: “baneja” e deu uma bicada na fruta. Foi corrigido e ouviu “maçã” várias vezes, mas insistia em “baneja”, usando a mesma entonação cuidadosa que o treinador costumava empregar sempre que apresentava um termo novo. Para Alex, as maçãs sempre serão banejas e ninguém jamais saberá ao certo o que ocorreu em seu cérebro quando ele cunhou o termo. Papperberg acha que ele combinou duas palavras conhecidas, “banana” e “cereja”. Talvez as maçãs tenham, para ele, sabor semelhante ao da banana e qualquer fruta com a casca vermelha se pareça com uma grande cereja. “Que cor?” foi a primeira coisa dita por Alex quando ele se viu no espelho pela primeira vez. Estava cansado de ouvir a mesma pergunta, sempre relacionada a objetos coloridos. Isso deixa claro que ele não só compreendeu o conceito de cor, mas que é capaz de usá-lo em situações novas. Surpresa, a psicóloga respondeu: “Cinza, você é um papagaio cinza”. Alex repetiu a mesma pergunta mais cinco vezes e recebeu a mesma resposta. Desde então, “cinza” passou a fazer parte de seu vocabulário.
Os exemplos mencionados são evidências incontestáveis de que os papagaios – e provavelmente várias outras aves – não agem apenas por instinto. Eles são dotados de extraordinária memória e entendem relações complexas. Além de aprender um complicado sistema de comunicação, têm vida social intensa e são muito curiosos. A inteligência que demonstram é comparável à dos primatas e golfinhos e, em algumas situações, até superior. Eles se saíram bem em testes mais exigentes que os aplicados aos mamíferos.
A vida longa dos papagaios permite que estudos de longo prazo sejam feitos. Atualmente os papagaios de Pepperberg estão aprendendo a pronunciar o som das letras e a usar um computador desenvolvido especialmente para eles. Talvez um dia tenham seu próprio site na internet e conversem conosco por e-mail.
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